Sete dias após a maior operação policial da história do estado, o Rio de Janeiro ainda vive os ecos da ação mais letal já registrada no país. O cenário que se descortina vai muito além dos números iniciais: as 64 mortes divulgadas no primeiro momento foram atualizadas para 121 vidas perdidas — sendo 117 suspeitos e quatro policiais. A escalada na contagem ocorreu à medida que moradores da Penha encontraram dezenas de corpos em áreas de mata e os levaram até a Praça São Lucas, em um gesto de denúncia e desespero.
A operação e seus números
Deflagrada no dia 28 de outubro, a operação mobilizou 2.500 agentes das Polícias Civil e Militar, com o objetivo de cumprir 100 mandados de prisão contra lideranças do Comando Vermelho (CV). A ofensiva resultou em:
121 mortos (117 suspeitos e 4 policiais)
113 presos, sendo 33 de outros estados
118 armas apreendidas, incluindo 93 fuzis
14 artefatos explosivos e toneladas de drogas confiscadas
O Instituto Médico Legal (IML) foi transformado em centro exclusivo para identificação dos corpos. Até o momento, 115 dos 117 suspeitos mortos foram identificados, sendo que 97 tinham histórico criminal relevante, e 59 estavam com mandados de prisão pendentes.
Corpos na mata e denúncias de execuções
A maior parte dos mortos foi encontrada em uma área de mata conhecida como Vacaria, na Serra da Misericórdia, entre os complexos da Penha e do Alemão. Moradores relataram ter retirado mais de 70 corpos, muitos com sinais de execução, tortura e mutilações. Há denúncias de tiros na nuca, facadas, decapitações e corpos amarrados,
O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União solicitaram perícias independentes e a aplicação do protocolo de identificação de vítimas de desastres, usado em casos de mortes ilícitas.
Vozes das comunidades: mães em luto
A dor das famílias é o retrato mais cruel da operação. Mães como a de Thiago Ribeiro Pareto Barbosa, que não via o filho há oito anos, relatam o sofrimento de reconhecer o corpo por uma foto enviada por um conhecido. “Eu dei educação e uma casa onde nunca faltou nada. Mas ele quis ir por outro rumo”, disse, em lágrimas.
Outra mãe, de Kauan de Souza, de 18 anos, descreveu a busca desesperada pelo filho na mata: “Toda vez que eu via um corpo, achava que podia ser ele. Mas ele não apareceu. Depois de dois dias, reconheci o corpo. Era ele. Meu menino.”
Embate político
A operação gerou forte embate entre o governo estadual e o federal. O governador Cláudio Castro (PL) afirmou que o Rio está “sozinho nessa guerra” e que “não temos apoio da União”. Por outro lado, o Ministério da Justiça, comandado por Ricardo Lewandowski, rebateu, afirmando que não houve pedido formal de ajuda e que a Força Nacional já atua no estado desde 2023.
Já o presidente Lula afirmou que “não podemos aceitar que o crime organizado continue destruindo famílias” e defendeu “trabalho coordenado que atinja a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco.”
O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Alexandre de Moraes, determinou a preservação de todos os elementos materiais da operação, incluindo perícias e imagens de câmeras corporais, em conformidade com a ADPF das Favelas, que regula ações policiais em comunidades.
Criação do escritório de combate ao crime organizado
Em resposta à crise, o governo federal e o estado do Rio anunciaram a criação de um Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado, coordenado por Victor Santos (Secretário de Segurança do RJ) e Mário Sarrubbo (Secretário Nacional de Segurança Pública).
O objetivo é integrar ações entre União e Estado, eliminar barreiras burocráticas e intensificar o combate ao tráfico de drogas e armas. O ministro Lewandowski afirmou que o escritório é um “embrião da PEC da Segurança Pública”, que busca unificar estratégias de enfrentamento ao crime organizado em todo o país.
Apoio popular a megaoperação
Segundo pesquisa Genial/Quaest, 64% da população do Rio aprovou a operação, mas 52% disseram se sentir menos seguros após o ocorrido. Além disso, 84% enxergam o estado como vivendo um “cenário de guerra”.
A megaoperação no Rio de Janeiro escancarou a complexidade do combate ao crime organizado. Se por um lado houve grande apreensão de armas e drogas, por outro, o alto número de mortes, as denúncias de execuções e o sofrimento das famílias levantam questionamentos sobre a legalidade, eficácia e humanidade da ação.
Sete dias depois, o Rio de Janeiro tenta digerir a magnitude do que ocorreu. Enquanto as autoridades comemoram a apreensão de 93 fuzis e a prisão de 113 suspeitos, incluindo lideranças do crime organizado, as comunidades afetadas enfrentam o luto coletivo e a pergunta que permanece sem resposta: o preço pago em vidas humanas trará, de fato, uma paz duradoura ou apenas um intervalo tenso em um conflito que parece infinito?
“Não era para ser assim. Os pais é que deviam ser enterrados pelos filhos, não o contrário.” resumiu uma mãe no IML.
A criação do Escritório de Combate ao Crime Organizado pode representar um avanço na integração entre os entes federativos, mas especialistas alertam que sem planejamento, inteligência e respeito aos direitos humanos, o ciclo de violência tende a se repetir.
Os ecos da operação que transformou partes do Rio em cenário de guerra vão muito além dos morros, colocando em xeque o próprio modelo de segurança público.



