A aprovação da chamada PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados marca um dos momentos mais controversos da política brasileira recente. Em dois turnos de votação, com ampla maioria, os parlamentares aprovaram uma proposta que restringe severamente os mecanismos legais para investigar, processar e prender membros do Congresso Nacional. O texto agora segue para o Senado, onde enfrenta resistência, mas ainda pode ser aprovado.
A proposta, oficialmente chamada de PEC 3/2021, foi apresentada como uma forma de “resgatar prerrogativas parlamentares” e proteger o Legislativo de supostos abusos do Judiciário. Na prática, porém, ela cria uma blindagem institucional que dificulta a responsabilização de deputados e senadores, mesmo em casos de flagrante ou suspeitas graves de corrupção.
O que muda com a PEC?
A PEC altera profundamente o equilíbrio entre os poderes e o funcionamento da Justiça em relação aos parlamentares. Entre os principais pontos:
Processos criminais contra deputados e senadores só poderão ser abertos com autorização prévia da respectiva Casa Legislativa (Câmara ou Senado). Se essa autorização for negada, o processo fica suspenso até o fim do mandato.
Prisão de parlamentares só será permitida em flagrante por crimes inafiançáveis, como racismo, terrorismo ou tráfico de drogas. Mesmo nesses casos, a manutenção da prisão dependerá de votação interna.
Medidas cautelares cíveis, como bloqueio de bens em ações de improbidade administrativa, só poderão ser determinadas pelo STF, impedindo que juízes de instâncias inferiores tomem decisões contra parlamentares.
Foro privilegiado será estendido a presidentes de partidos políticos com representação no Congresso, mesmo que não tenham mandato parlamentar. Quem se beneficia?
A PEC pode beneficiar diretamente mais de 80 parlamentares investigados atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF). Entre eles estão nomes como Eduardo Bolsonaro, investigado por coação e atuação internacional contra o Brasil; Elmar Nascimento, citado na Operação Overclean por desvio de emendas parlamentares; e Júnior Mano, alvo de investigação por fraudes em licitações no Ceará.
Esses casos envolvem suspeitas de corrupção, desvio de verbas públicas e uso indevido de emendas parlamentares — um sistema que movimenta cerca de R$ 50 bilhões por ano.
Voto secreto derrubado
O texto da PEC da Blindagem prever que tanto a autorização para abertura de processos criminais contra parlamentares, quanto a decisão sobre a manutenção de prisões em flagrante, serão feitas por meio de votação secreta.
A medida dificulta ainda mais a responsabilização pública dos congressistas, pois impede que a sociedade saiba como cada deputado votou em casos que envolvem seus próprios
Reações e críticas
A proposta foi duramente criticada por juristas, entidades da sociedade civil e parte do Senado. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Otto Alencar, afirmou que a PEC “não passa de jeito nenhum” na comissão. O senador Alessandro Vieira foi ainda mais direto: “Não tem 49 senadores dispostos a colocar a digital nisso.”
O Instituto Não Aceito Corrupção classificou a PEC como inconstitucional, por violar cláusulas pétreas como a separação dos poderes e a isonomia constitucional. Em nota, declarou: “É a criação de uma casta de intocáveis, acima do bem e do mal.”
Retrocesso institucional
A PEC da Blindagem representa um retrocesso institucional grave, pois resgata práticas abolidas há mais de duas décadas por pressão popular. Até 2001, o STF precisava de autorização do Congresso para processar parlamentares — e penas um dos mais de 200 pedidos foi aprovado. A mudança veio justamente para combater a impunidade.
Agora, com a nova proposta, o Congresso volta a ter o poder de barrar investigações, criando uma casta política blindada contra a Justiça, trata-se de uma manobra para proteger aliados e evitar que investigações sobre corrupção avancem.
Enquanto isso, pautas de interesse direto da população, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, seguem sendo adiadas.
Em um país onde a desigualdade e a impunidade já são profundas, criar mecanismos que dificultam a responsabilização de autoridades eleitas é um passo perigoso — e, como muitos dizem, um sinal de que, no Brasil, deputados e senadores só responderão a Deus.
Deputados do Piauí que votaram a favor da PEC da Blindagem:
Todos os 10 deputados federais do Piauí votaram a favor da PEC da Blindagem nos dois turnos de votação na Câmara dos Deputados.
Átila Lira (PP)
Castro Neto (PSD)
Dr. Francisco (PT)
Flávio Nogueira (PT)
Florentino Neto (PT)
Jadyel Alencar (Republicanos)
Júlio Arcoverde (PP)
Júlio César (PSD)
Marcos Aurélio Sampaio (PSD)
Merlong Solano (PT)