Em um encontro que já entrou para os anais da diplomacia entre Brasil e Estados Unidos, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump se reuniram neste domingo (26) à margem da 47ª Cúpula da Asean, em Kuala Lumpur. Após meses de tensão provocados pelo tarifaço de 50% imposto pelos EUA a produtos brasileiros, o encontro sinalizou uma reabertura do diálogo bilateral e a possibilidade concreta de um acordo comercial.
Um gesto político com impacto global
A reunião de 50 minutos entre os dois líderes foi marcada por um tom cordial e pragmático. Lula, que completou 80 anos no mesmo dia, afirmou estar “muito otimista” com os desdobramentos do encontro. “Tive uma ótima reunião com o presidente Trump. Discutimos de forma franca e construtiva a agenda comercial e econômica bilateral”, publicou o presidente brasileiro em suas redes sociais.
Trump, por sua vez, declarou: “É uma grande honra estar com o presidente do Brasil. Provavelmente faremos alguns bons acordos”. A fala foi acompanhada de elogios à trajetória de Lula, com o americano demonstrando curiosidade sobre o período em que o petista esteve preso e sua volta à presidência.
Tarifaço: o ponto central
O principal tema da conversa foi o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros como aço, carne, café e alumínio. Lula pediu a suspensão temporária das tarifas enquanto durarem as negociações, argumentando que “não há condições reais para um diálogo equilibrado com o tarifaço em vigor”.
Embora Trump não tenha se comprometido com a suspensão imediata, autorizou sua equipe — liderada por Jamieson Greer (Comércio), Scott Bessent (Tesouro) e Marco Rubio (Estado) — a iniciar negociações técnicas com representantes brasileiros. O chanceler Mauro Vieira confirmou que um cronograma de reuniões foi estabelecido e que uma delegação brasileira será enviada a Washington na próxima semana.
Sanções e o caso Bolsonaro
Outro ponto sensível abordado foi a aplicação da Lei Magnitsky contra autoridades brasileiras, incluindo o ministro do STF Alexandre de Moraes e sua esposa. Lula pediu a revogação das sanções, classificando-as como injustas e baseadas em informações equivocadas.
Durante a conversa, Lula também explicou a Trump os detalhes do julgamento de Jair Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe de Estado. “Rei morto, rei posto. Bolsonaro faz parte do passado da política brasileira”, disse Lula, acrescentando que o processo foi conduzido com respeito ao devido processo legal.
Trump, por sua vez, evitou se aprofundar no tema, mas afirmou: “Sempre gostei dele. Fiquei muito mal com o que aconteceu com ele”.
Venezuela: Lula se oferece como mediador
Em um gesto diplomático ousado, Lula se ofereceu para mediar o conflito entre os Estados Unidos e o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela. “Disse a ele que nós queremos manter a América do Sul como uma zona de paz”, afirmou o presidente brasileiro.
A proposta foi recebida com cautela por diplomatas americanos, especialmente pela ala mais dura liderada por Marco Rubio, que defende sanções severas contra Caracas. Ainda assim, o gesto foi interpretado como uma tentativa de reposicionar o Brasil como ator relevante na geopolítica regional.
Reações políticas e empresariais
A reunião gerou reações imediatas no Brasil. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) classificou o encontro como “um passo relevante” para a retomada da competitividade das exportações brasileiras. Setores como o de carnes, café e calçados comemoraram a abertura do diálogo.
No campo político, aliados de Lula exaltaram sua postura firme e diplomática. “Lula mostrou mais uma vez como deve agir um verdadeiro líder”, escreveu a ministra Gleisi Hoffmann. Já o vice-presidente Geraldo Alckmin destacou que o encontro “prova que temos bons motivos para acreditar no diálogo”.
Por outro lado, a oposição tentou minimizar o impacto do encontro. O deputado Eduardo Bolsonaro ironizou a menção de Trump ao ex-presidente: “Lula encontra Trump e na mesa um assunto que claramente incomoda o ex-presidiário: Bolsonaro”.
Geopolítica e interesses cruzados
O pano de fundo do encontro é uma geopolítica global em transformação. A crescente influência da China na América Latina preocupa Washington, e o Brasil, como membro dos Brics, está no centro dessa disputa. Trump evitou pressionar Lula sobre o alinhamento com Pequim, mas o tema permanece latente.
Além disso, os EUA demonstraram interesse em minerais críticos brasileiros, como lítio e nióbio, essenciais para a indústria de semicondutores e a transição energética. A regulação das big techs e o sistema de pagamentos instantâneos Pix também estão na mira dos americanos, que alegam concorrência desleal.
Nova fase
O encontro entre Lula e Trump representa mais do que uma tentativa de resolver impasses comerciais. É um gesto de reaproximação entre duas das maiores economias das Américas, com potencial para redefinir alianças e abrir espaço para cooperação em áreas estratégicas.
Como destacou o especialista Alexandre Coelho, da FESPSP: “O encontro inaugura uma janela de oportunidade para a reconstrução da confiança entre Brasil e Estados Unidos”.
Próximos passos
As negociações continuam. O plano A do Brasil é a suspensão temporária do tarifaço durante as tratativas. O plano B prevê a ampliação da lista de produtos isentos, começando por itens que os EUA não produzem em escala suficiente.
Lula se mostrou disposto a viajar aos EUA para avançar nas negociações, enquanto Trump manifestou interesse em visitar o Brasil, possivelmente durante a COP-30, em Belém. “Se depender de mim e do Trump, vai ter acordo”, afirmou Lula.



