Na terça-feira, 28 de outubro de 2025, o Rio de Janeiro foi palco da operação policial mais letal de sua história. A ofensiva, batizada de “Operação Contenção”, mobilizou cerca de 2.500 agentes das polícias Civil e Militar nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte da cidade, com o objetivo de desarticular lideranças do Comando Vermelho (CV), uma das maiores facções criminosas do país. O saldo foi devastador: 64 mortos, incluindo quatro policiais, dezenas de feridos, 81 presos e 93 fuzis apreendidos.
Cenário de guerra urbana
A ação começou nas primeiras horas da manhã e rapidamente se transformou em um cenário de guerra. Moradores relataram explosões, tiroteios intensos e o uso de drones por parte dos criminosos para lançar bombas contra as forças de segurança. “Quem está na ponta está vendo os 60 corpos. As crianças estão vendo os 60 corpos”, relatou o líder comunitário Raull Santiago, morador do Complexo do Alemão há 36 anos.
Barricadas foram erguidas com carros incendiados, ônibus foram sequestrados para bloquear vias importantes como a Avenida Brasil e a Linha Amarela, e mais de 87 escolas tiveram suas atividades suspensas, afetando cerca de 29 mil alunos. A cidade entrou em “Estágio 2”, segundo a Prefeitura, devido ao alto impacto na mobilidade urbana e na segurança pública.
Reação do Comando Vermelho
A resposta do CV à operação foi considerada inédita. Além dos drones com explosivos, houve uma reação coordenada em diversos pontos da cidade, com bloqueios e ataques simultâneos. A facção, que tem expandido sua atuação nacionalmente e internacionalmente, transformou os complexos do Alemão e da Penha em verdadeiros quartéis-generais.
Do lado das forças de segurança, o aparato empregado foi digno de uma operação militar: helicópteros, blindados, veículos de demolição, drones e ambulâncias para resgate. A Polícia Civil mobilizou agentes de todas as delegacias especializadas, enquanto a PM contou com o Comando de Operações Especiais e unidades da capital e região metropolitana.
Mortes e comoção
Entre os mortos estão os sargentos Cleiton Serafim Gonçalves e Heber Carvalho da Fonseca, do Bope, além dos policiais civis Marcos Vinicius Cardoso Carvalho e Rodrigo Velloso Cabral. As corporações lamentaram profundamente as perdas, destacando o comprometimento dos agentes com a segurança pública.

A operação também vitimou civis, incluindo pessoas atingidas por balas perdidas dentro de casa, em academias e até em situação de rua. O Instituto Fogo Cruzado classificou o episódio como a maior chacina policial da história do Estado.
Repercussão internacional e política
A ação repercutiu mundialmente. O jornal britânico The Guardian descreveu o episódio como “o pior dia de violência do Rio”, enquanto a agência Reuters destacou a proximidade da operação com eventos internacionais como a COP-30 e o Earthshot Prize. O El País classificou o dia como “caos sem precedentes”, e o Clarín falou em “cenas de guerra”.
Internamente, a operação gerou um embate político entre o governador Cláudio Castro (PL) e o governo federal. Castro afirmou que o Rio está “sozinho nessa luta” e criticou a falta de apoio da União, especialmente a negativa de empréstimo de blindados militares. “É uma guerra que já extrapolou toda a ideia de segurança urbana”, disse o governador.
Em resposta, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, rebateu: “A segurança pública nos Estados é responsabilidade dos governadores. O combate à criminalidade se faz com planejamento, inteligência e coordenação”. O governo federal também afirmou que não houve solicitação formal de apoio para esta operação específica.
Críticas à estratégia e eficácia
Especialistas em segurança pública foram unânimes em criticar a operação. Jacqueline Muniz, pesquisadora da UFF, classificou a ação como uma “lambança operacional” e questionou a ausência de protocolos técnicos que poderiam ter evitado tantas mortes. “Não mudou em nada o status dos domínios armados no Rio”, afirmou.
Carolina Ricardo, do Instituto Sou da Paz, foi ainda mais incisiva: “É uma tragédia sob todos os enfoques. Ataca os locais onde o crime domina territorialmente, mas não descapitaliza o crime organizado”. Ela defende ações baseadas em inteligência, investigação e articulação entre as polícias estaduais e federais.
Expansão do CV
A operação também revelou a crescente influência do Comando Vermelho fora do Rio. Dos presos, 32 eram oriundos do Pará, onde comandavam atividades criminosas à distância. A facção tem se consolidado como uma potência no tráfico internacional de cocaína, utilizando rotas pela Amazônia e tecnologias como drones e internet via satélite para driblar a fiscalização.
A expansão do CV é vista como uma resposta ao avanço de milícias e do Primeiro Comando da Capital (PCC) em outras regiões do país. Desde 2022, o CV tem invadido favelas antes dominadas por milicianos, como a Gardênia Azul, e ampliado sua presença em áreas estratégicas do Rio.
Segurança pública
A megaoperação reacendeu o debate sobre a PEC da Segurança Pública, proposta pelo governo Lula para integrar ações entre União, Estados e municípios. A oposição, no entanto, acusa o governo federal de omissão e de não apresentar soluções concretas para o enfrentamento ao crime organizado.
Enquanto isso, a população do Rio segue refém de uma guerra que parece não ter fim. “Cada dia que passa sob o domínio do crime custa vidas, de moradores, de policiais e de futuros que poderiam ser diferentes”, escreveu Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A reunião emergencial entre o governo federal e o governador Cláudio Castro, marcada para esta quarta-feira, pode ser um ponto de partida para uma nova abordagem. Mas, como alertam os especialistas, sem planejamento, inteligência e ações coordenadas, o ciclo de violência tende a se repetir.



