A cidade de Regeneração, interior do Piauí, viveu um momento raro e emocionante: José de Santana, carinhosamente conhecido como “Zé Pretinho”, completou 100 anos de vida no último dia 10 de setembro. Morador da Rua Padre Silva, no bairro Bela Vista, ele é considerado um dos poucos — senão o único — centenário da cidade.
A comemoração aconteceu no domingo, 14 de setembro, com uma grande festa na Chácara Lira. O evento reuniu centenas de pessoas, entre filhos, netos, bisnetos, familiares, amigos e autoridades locais. Entre os presentes estavam os ex-vereadores Ida do Jabiraca e seu irmão Júnior do Jabiraca, além da vereadora Jaqueline do Sindicato, que fizeram questão de homenagear o aniversariante.
Embora a celebração dos 100 anos tenha reunido muitos familiares e amigos em Regeneração, nem todos puderam estar presentes. Alguns parentes, que vivem fora do estado, não conseguiram comparecer por questões de distância e compromissos pessoais. Ainda assim, enviaram mensagens de carinho e homenagens.
Uma vida marcada por fé, trabalho duro e memória
Zé Pretinho nasceu em 10 de setembro de 1925, ano marcado por importantes acontecimentos históricos no Brasil, como a marcha da Coluna Prestes — movimento liderado por militares dissidentes que percorreu o país em defesa de reformas sociais e políticas, desafiando o governo da República Velha.
Mesmo vivendo no interior do Piauí, ele afirma ter consciência dos grandes acontecimentos que moldaram o Brasil e do mundo ao longo do século. Estava vivo na Revolução Constitucionalista de 1932. Tem ainda vivo em sua memória os acontecimentos da segunda Guerra Mundial que durou de 1935 a 1945. Lembra da ascensão de Getúlio Vargas, e da comoção nacional com sua morte em 1954. Foi testemunha da ditadura militar, da redemocratização em 1989, do Plano Real, da chegada de Lula ao poder, dos impeachments de Collor e Dilma Rousseff, e mais recentemente, da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe.
A trajetória de Zé Pretinho, ao completar 100 anos, é também um retrato vivo da história do Brasil no último século — marcada por fé, trabalho duro e uma memória que resiste ao tempo.
Família, trabalho e raízes
No início dos anos 50 conheceu sua companheira de vida, Dona Zefa Jorge ( já falecida) com quem teve sete filhos: Chico Pretinho, Zezito Pretinho, Adão Pretinho, Eva Pretinho, Socorro, Madá e Cícero. Após o casamento, o casal viveu no Boqueirão e depois na Fazenda Baixa, onde criaram os filhos e construíram uma vida dedicada à agricultura.
Zé Pretinho trabalhou na roça até os 85 anos, quando foi convencido pela família a deixar a lavoura . Por mais de 40 anos, também foi o “cacheador” do engenho da Baixa, responsável pela produção da rapadura durante a colheita da cana — função que passou para o filho Zezito.
Em suas memórias, Zé Pretinho guarda com carinho a lembrança de Seu Jacó, seu maior amigo, falecido no final dos anos 1990. Unidos por uma vida de trabalho e companheirismo, compartilharam jornadas duras na roça, caçadas, e a produção artesanal de mel e açúcar no Engenho Baixa. Uma amizade sólida, marcada por respeito e vivências que atravessaram gerações.
Fé como pilar da longevidade
Católico fervoroso e devoto da Divina Santa Cruz dos Milagres, Zé Pretinho atribui sua longevidade à fé e à vida simples. “Viver a vida com fé e subir a ladeira devagar”, diz com um sorriso fácil.
“Viver a vida com fé”: indica que a fé é o alicerce da sua existência — uma força que o sustenta e sempre o sustentou diante das dificuldades e dá sentido à sua jornada.
“Subir a ladeira devagar”: sugere a importância de viver com calma, respeitando os próprios limites, sem pressa, valorizando cada etapa da vida.
A festa de 100 anos aconteceu justamente no dia da Santa Cruz, o que tornou a celebração ainda mais especial. Ele relembra com emoção as primeiras peregrinações a pé até o santuário quando ainda era jovem, a última em que ele esteve aos pés da santa foi festejos do ano.
Apesar de uma leve perda auditiva, Zé Pretinho mantém plena lucidez, reconhece todos à sua volta e possui uma memória invejável. Rodeado por seis filhos vivos, 20 netos e 38 bisnetos e um tataraneto, celebrou a vida como um filme passado diante dos olhos.
Homenagem da família
Durante a festa, marcada por decoração requintada, bolo, salgados, doces e muita fartura, a neta Carmem Lúcia emocionou os presentes com seu depoimento:
– “É uma grande honra e alegria reunir hoje a família e os amigos para celebrar uma vida tão rica em história, amor e sabedoria. Você é inspiração para todos nós. Somos muito gratos por tudo que vivemos ao seu lado. Que Deus o continue abençoando com muita saúde e sabedoria. Te amamos, vovô Zé Pretinho.”
A longevidade no Brasil
A celebração dos 100 anos de Zé Pretinho na cidade de Regeneração ganha ainda mais significado quando observamos o cenário da longevidade no Brasil e no mundo. Segundo o Censo 2022 do IBGE, o país conta com 37.814 centenários, sendo 714 deles no Piauí, estado onde vive o aniversariante. A maioria dos centenários brasileiros são mulheres, mas homens como Zé Pretinho desafiam as estatísticas e se tornam verdadeiros guardiões da memória nacional.
O Brasil também é, atualmente, o lar do homem mais velho do mundo: João Marinho Neto, cearense de 112 anos, reconhecido oficialmente pelo Guinness World Records. Ele superou o britânico John Tinniswood e agora representa o país no topo da longevidade masculina mundial.
Na história, o homem que mais viveu foi o japonês Jiroemon Kimura, que alcançou 116 anos e 54 dias, falecendo em 2013.
Zé Pretinho, com sua lucidez, memória viva e fé inabalável, se junta a esse seleto grupo de brasileiros que não apenas viveram muito, mas viveram intensamente — e continuam inspirando gerações.
Imagens da grande festa de um século de vida de Zé Pretinho.
