Em um domingo marcado por mobilizações, milhares de brasileiros tomaram as ruas de todas as 27 capitais do país para protestar contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem e o Projeto de Lei da Anistia, agora rebatizado como “PL da Dosimetria”. Os atos, convocados por movimentos sociais, partidos de esquerda e artistas, revelaram uma crescente insatisfação popular com decisões recentes do Congresso Nacional e reacenderam o debate sobre impunidade, democracia e representatividade política.
O que está em jogo
A PEC da Blindagem, rebatizada de PEC da Bandidagem, aprovada pela Câmara dos Deputados na última semana com 344 votos favoráveis, propõe que parlamentares só possam ser processados criminalmente com autorização prévia de suas respectivas Casas Legislativas. Além disso, estabelece que prisões em flagrante sejam submetidas a votação secreta, e amplia o foro privilegiado para presidentes de partidos .

Sem anistia: manifestações em 27 capitais desafiam Congresso – Manifestação no Rio – Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil
Já o PL da Anistia, que teve sua urgência aprovada com 311 votos, busca reduzir penas de condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. O relator, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), afirma que não se trata de perdão, mas de “pacificação nacional” por meio da dosimetria das penas.
A resposta das ruas
As manifestações ocorreram em pelo menos 33 cidades, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro. Na Avenida Paulista, cerca de 42,4 mil pessoas se reuniram, segundo o Monitor do Debate Político da USP. Em Copacabana, o número foi semelhante: 41,8 mil manifestantes.
Em Brasília, milhares marcharam da Esplanada dos Ministérios até o Congresso Nacional, empunhando faixas com dizeres como “Congresso inimigo do povo” e “Sem anistia para golpistas”.
Chico, Caetano e Gil: Trio histórico da MPB lidera protesto em Copacabana contra PEC da Blindagem e anistia.
O ato no Rio teve forte tom musical e simbólico. Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, que participaram da histórica Passeata dos Cem Mil em 1968, voltaram a se unir no palco para entoar hinos de resistência como “Cálice” e “Podres Poderes”. Djavan, Ivan Lins, Paulinho da Viola e outros artistas também se apresentaram.
“Essa PEC é um tapa na cara da sociedade. Não podemos deixar passar”, disse Caetano Veloso, que chamou a proposta de “PEC da Bandidagem”.
Em Salvador, Daniela Mercury e Wagner Moura lideraram o trio elétrico. “Não aceitamos essa PEC da impunidade. O Brasil é dos brasileiros que o amam”, afirmou a cantora, segurando uma bandeira nacional.
Repercussões políticas
O impacto das manifestações foi imediato. No Senado, o relator da PEC, Alessandro Vieira (MDB-SE), prometeu apresentar parecer pela rejeição do texto nesta quarta-feira. “É um absurdo injustificável. Vamos derrotar no Senado”, declarou.
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Otto Alencar (PSD-BA), afirmou que pretende “enterrar” a proposta: “Essa matéria está completamente fora de sintonia com o povo brasileiro”.
Deputados que votaram a favor da PEC na Câmara começaram a se retratar publicamente. Silvye Alves (União Brasil-GO) disse que foi coagida por “pessoas influentes” e anunciou sua saída do partido. Merlong Solano (PT-PI) justificou seu voto como parte de um acordo para destravar pautas sociais, como a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil.
O PL da Dosimetria: entre o impasse e a pressão
Paulinho da Força, relator do projeto, minimizou os protestos: “Essas manifestações viraram mais do mesmo. Vamos manter nosso propósito de apresentar o relatório até quarta-feira”. Ele defende que a redução de penas pode “pacificar o país”, mas admite que não conseguirá incluir Jair Bolsonaro diretamente no texto: “Quem pode ajudar Bolsonaro são os advogados dele, não eu”.
A proposta enfrenta resistência tanto da base governista quanto da oposição. Enquanto o PL exige anistia total, o PT e aliados rejeitam qualquer afrouxamento das condenações impostas pelo STF.
Virada da pauta contra impunidade

A mobilização popular reacendeu o debate sobre a legitimidade das decisões do Congresso. Parlamentares governistas avaliam que os atos representam uma “virada de pauta” e fortalecem o campo democrático. “A PEC da Blindagem e a anistia perderam força. A população quer justiça, não impunidade”, afirmou Lindbergh Farias (PT-RJ).
O presidente Lula, em viagem à ONU, comentou nas redes: “As manifestações demonstram que o povo não quer impunidade. O Congresso deve se concentrar em medidas que tragam benefícios concretos à população”
O domingo de manifestações mostrou que a sociedade brasileira está atenta e disposta a ocupar as ruas para defender a democracia. A pressão sobre o Congresso é real e crescente. Com a análise da PEC da Blindagem marcada para esta semana no Senado e o relatório do PL da Dosimetria prestes a ser apresentado, os próximos dias serão decisivos para o futuro político do país.
Todos os deputados federais do Piauí votaram a favor da PEC da Blindagem
Os dez parlamentares federais do Piauí se posicionaram favoravelmente ao texto em ambos os turnos. A proposta, que dificulta a abertura de processos criminais contra parlamentares e amplia o foro privilegiado, recebeu apoio unânime da bancada piauiense.
Confira os deputados que votaram sim à PEC:
Átila Lira (PP)
Castro Neto (PSD)
Dr. Francisco (PT)
Flávio Nogueira (PT)
Florentino Neto (PT)
Jadyel Alencar (Republicanos)
Júlio Arcoverde (PP)
Júlio César (PSD)
Marcos Aurélio Sampaio (PSD)
Merlong Solano (PT)