O Supremo Tribunal Federal (STF) deu início nesta terça-feira (2) ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete ex-integrantes de seu governo, acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de liderar uma tentativa de golpe de Estado entre 2022 e 2023. A sessão, realizada pela Primeira Turma da Corte, marca um momento decisivo para a democracia brasileira e pode resultar em penas que somam até 43 anos de prisão.
O julgamento, que ocorre em meio a forte esquema de segurança na Praça dos Três Poderes, é considerado o mais importante desde a redemocratização. A denúncia trata do chamado “núcleo crucial” da trama golpista, composto por militares de alta patente, ex-ministros e o próprio ex-presidente.
Abertura com recado firme de Moraes
Logo no início da sessão, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, fez uma fala contundente, afirmando que o STF não se curvará a pressões internas ou externas. Sem citar diretamente nomes, Moraes criticou tentativas de interferência internacional, como as sanções impostas pelo governo dos Estados Unidos, e rechaçou propostas de anistia aos envolvidos.
“A impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação. Confundir pacificação com apaziguamento significa incentivar novas tentativas de golpe”, afirmou Moraes.
O ministro também destacou que o julgamento seguirá o devido processo legal, com respeito à ampla defesa e ao contraditório, mas que, havendo provas acima de qualquer dúvida razoável, os réus serão condenados.
Acusação da PGR: golpe em execução
Em sua manifestação, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, buscou desconstruir a tese das defesas de que teria havido apenas uma “mera cogitação” de golpe. Segundo ele, os atos praticados já configuram execução de um plano golpista.
“Não é preciso uma ordem assinada para que se configure a tentativa. A prática de atos voltados à ruptura da ordem constitucional já é suficiente”, disse Gonet.
O procurador listou uma série de eventos que, segundo a acusação, demonstram a tentativa de golpe: reuniões com militares, elaboração da chamada “minuta do golpe”, uso da Polícia Rodoviária Federal para dificultar o voto no Nordeste, e os atos violentos de 8 de janeiro de 2023.
Gonet também mencionou o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa atentados contra autoridades, incluindo o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o próprio Moraes.
Réus e acusações
Além de Bolsonaro, são réus no processo:
Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e vice na chapa de 2022)
General Augusto Heleno (ex-ministro do GSI)
Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin)
Anderson Torres (ex-ministro da Justiça)
Almir Garnier (ex-comandante da Marinha)
Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa)
Mauro Cid (ex-ajudante de ordens e delator)
Todos respondem por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Defesas cautelosas e estratégias distintas
A defesa de Mauro Cid foi a primeira a se manifestar, destacando a validade da delação premiada e negando qualquer coação por parte da Polícia Federal ou do ministro Moraes. Os advogados afirmaram que Cid não participou dos atos de 8 de janeiro e que não há mensagens de sua autoria com conteúdo golpista.

Já o advogado de Almir Garnier, Demóstenes Torres, adotou uma linha mais política, defendendo a liberdade de expressão e alegando que seu cliente apenas ouviu, sem se manifestar, nas reuniões citadas pela acusação.
“A liberdade de expressão pode ser criminalizada? As pessoas mais detestáveis podem dizer o que pensam. É preciso tolerar bobagens”, disse Torres.
A defesa de Anderson Torres buscou minimizar sua participação em eventos como a live de ataques às urnas eletrônicas e negou que ele tenha interferido na atuação da PRF no segundo turno das eleições.
“Dizer que essa frase tem espírito golpista é zombar da inteligência de quem está ouvindo”, afirmou o advogado, ao comentar uma fala de Torres em reunião ministerial.
Presença e ausência no julgamento
Dos oito réus, apenas o ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira compareceu presencialmente à sessão. Bolsonaro, que está em prisão domiciliar desde agosto, acompanha o julgamento de casa, ao lado dos filhos Carlos e Jair Renan. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro está na sede do PL, enquanto o senador Flávio Bolsonaro permanece no Congresso.
Segurança reforçada e tensão nas ruas
A sessão ocorre sob forte esquema de segurança, com policiamento reforçado nas imediações do STF e nas residências dos ministros. A praça dos Três Poderes foi fechada, e drones monitoram a área.
Do lado de fora, manifestantes pró e contra Bolsonaro se enfrentaram em frente ao condomínio onde o ex-presidente mora. Um boneco inflável com tornozeleira eletrônica e roupa de presidiário foi levado por integrantes do MTST, enquanto apoiadores rezavam e entoavam palavras de ordem. A Polícia Militar interveio para evitar confrontos.
Impacto político
O julgamento tem potencial para redefinir o cenário político brasileiro. Caso Bolsonaro seja condenado, ficará inelegível e poderá cumprir pena em sala especial na Papuda ou na sede da Polícia Federal. A decisão também pode abrir espaço para novas lideranças na direita, como Tarcísio de Freitas e Romeu Zema.
Analistas apontam que o julgamento é um teste de resistência institucional e pode consolidar o papel do STF como guardião da democracia.
“A expectativa e a narrativa em torno do julgamento podem ser tão relevantes quanto a decisão definitiva”, afirma Murilo Bataglia, professor da UnB.
O julgamento está previsto para durar até o dia 12 de setembro, com oito sessões distribuídas em cinco dias. Após as manifestações das defesas, os ministros votarão individualmente. A decisão será por maioria simples. Caso haja condenação, os réus ainda poderão recorrer dentro do próprio STF.