Em decisão unânime e carregada de simbolismo político, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitou a chamada PEC da Blindagem, proposta que buscava condicionar a abertura de processos criminais contra parlamentares à autorização prévia do Congresso. A decisão, tomada na quarta-feira (24), representa um freio contundente ao avanço da impunidade institucional e à tentativa de ampliação de privilégios políticos, além de refletir a força da mobilização popular, do último fim de semana, que levou milhares de brasileiros às ruas do país contra o retrocesso.
O que previa a PEC
A proposta, aprovada com ampla maioria na Câmara dos Deputados (353 votos a favor e 134 contrários), incluía dispositivos que, segundo críticos, criariam um escudo jurídico para parlamentares. Entre os pontos mais polêmicos estavam:
Autorização prévia do Congresso para abertura de ações penais contra deputados e senadores.
Votação secreta para decidir sobre prisões em flagrante por crimes inafiançáveis.
Ampliação do foro privilegiado para presidentes de partidos políticos.
Restrição de medidas cautelares, como buscas e quebras de sigilo, apenas com aval do STF.
Rejeição unânime e arquivamento imediato
O relator da proposta na CCJ, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), foi categórico: “Essa PEC é um abrigo para criminosos. Não há nada aproveitável. É um retrocesso institucional e moral.” Seu parecer foi aprovado por 26 votos a zero, enterrando a proposta sem necessidade de votação em plenário, conforme o regimento interno do Senado.
O presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), reforçou: “É um tapa na cara do povo brasileiro. Não aceito pressão nem do Centrão, nem do Centrinho.”
Pressão das ruas e redes sociais
A rejeição foi impulsionada por manifestações populares que ocorreram em todas as capitais do país. Em São Paulo, mais de 42 mil pessoas ocuparam a Avenida Paulista exigindo o arquivamento da PEC e o fim da anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro.
O senador Jorge Seif (PL-SC), que inicialmente apresentou voto separado, recuou após ouvir os apelos da população: “Precisamos estar sensíveis às vozes das ruas.”
Consequências políticas
A decisão do Senado provocou irritação na Câmara, especialmente entre líderes do Centrão. Deputados acusaram o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), de romper acordos e expor a Câmara ao desgaste público. O relator da PEC na Câmara, Claudio Cajado (PP-BA), resumiu o sentimento: “Já era, morreu, morte matada.”
O episódio também afetou a tramitação da proposta de anistia aos condenados do 8 de janeiro, que agora enfrenta resistência no Senado. O deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), relator da anistia, admitiu: “Tem hoje uma desconfiança de que, o que nós votarmos aqui, o Senado segura.”
Governadores se posicionam
Diversos governadores se manifestaram contra a PEC. Ronaldo Caiado (GO) classificou a proposta como “um convite para o crime organizado entrar no Congresso pela porta da frente.” Romeu Zema (MG) criticou o voto secreto e o foro privilegiado: “É um absurdo. A direita não pode cair na armadilha dessa PEC.”
Implicações jurídicas internacionais
A constitucionalista Flavia Piovesan, ex-integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, alertou que a PEC violaria a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. “É um ilícito internacional. O voto secreto é um retrocesso inadmissível”, afirmou.
Senado como freio institucional
A rejeição da PEC reforça o papel do Senado como barreira a pautas polêmicas aprovadas na Câmara. Desde 2023, a Casa tem travado projetos como a legalização de cassinos, a flexibilização do porte de armas e a redução da maioridade penal.
Segundo o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso: “O Senado está agindo como poder moderador. A PEC da Blindagem e a anistia são pautas que não têm espaço aqui.”
Um divisor de águas
A PEC da Blindagem foi vista por muitos como uma tentativa de restaurar uma aristocracia política tropical, blindada contra a Justiça e desconectada da sociedade. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) resumiu: “Precisamos sepultar essa PEC de vez e tentar retomar um mínimo de confiança no Congresso.”
A rejeição unânime no Senado não apenas enterra a proposta, mas também envia um recado claro: a impunidade não será institucionalizada.