Em uma decisão que reacende tensões entre os Poderes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente o projeto de lei que aumentaria o número de deputados federais de 513 para 531. A medida, aprovada pelo Congresso como resposta a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), foi barrada por Lula sob a justificativa de inconstitucionalidade e violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Como reação, deputados aprovaram a liberação de até R$ 30 bilhões do Fundo Social — originalmente destinado a áreas essenciais como educação, saúde e ciência — para financiar dívidas do agronegócio, em um gesto interpretado como retaliação política ao governo.
O que estava em jogo
O projeto, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), buscava atender à determinação do STF para redistribuir as cadeiras da Câmara com base nos dados do Censo de 2022. A Constituição exige que a representação por estado seja proporcional à população, respeitando o mínimo de 8 e o máximo de 70 deputados por unidade da federação.
Para evitar a perda de cadeiras por estados como Rio de Janeiro, Bahia e Paraíba, o Congresso optou por aumentar o número total de parlamentares. A proposta previa um impacto orçamentário de cerca de R$ 65 milhões por ano, além de possíveis efeitos em cascata nas assembleias legislativas estaduais e nas emendas parlamentares.
Justificativa do veto
No despacho publicado no Diário Oficial da União nesta quinta-feira (17), Lula afirmou que a proposta “acarreta aumento de despesas obrigatórias, sem a completa estimativa de impacto orçamentário, de previsão de fonte orçamentária e de medidas de compensação, onerando não apenas a União, mas também entes federativos”.
A decisão foi respaldada por pareceres dos ministérios da Fazenda, Planejamento, Justiça e da Advocacia-Geral da União. O presidente também citou dispositivos da Constituição, da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025 e da Lei de Responsabilidade Fiscal para embasar o veto.
Opinião pública
A decisão de Lula encontra respaldo popular. Segundo pesquisa Quaest divulgada na quarta-feira (16), 85% dos brasileiros são contra o aumento no número de deputados. Apenas 9% se disseram favoráveis. A mesma pesquisa revelou que mais da metade da população (53%) tinha conhecimento da proposta.
Vingança dos deputados

O veto representa um novo capítulo na já desgastada relação entre o Executivo e o Legislativo. Parlamentares aliados ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reagiram com a aprovação de um projeto que libera até R$ 30 bilhões do Fundo Social para o setor agropecuário — uma resposta direta ao gesto do Planalto.
Fundo Social
Criado em 2010, o Fundo Social é abastecido com recursos da exploração do pré-sal e tem destinação obrigatória para áreas estratégicas como educação, saúde, ciência, meio ambiente e desenvolvimento regional.
No entanto, em uma reação política ao veto do presidente Lula ao projeto que aumentaria o número de deputados, a Câmara dos Deputados aprovou a liberação de até R$ 30 bilhões desse fundo para financiar a quitação de dívidas do agronegócio.
Até recentemente, os recursos do Fundo vinham sendo preservados como uma alternativa estratégica para o governo financiar projetos voltados ao desenvolvimento social como o “Minha Casa Minha Vida” e ao combate à pobreza — especialmente em um cenário de cortes de gastos para cumprir metas fiscais.
– “Não é correto. Não é correto votar uma matéria que vai retirar recursos do Fundo Social para renegociação de dívidas, ainda mais quando estamos discutindo a questão fiscal do país”, disse o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), afirmando que a retaliação política — ao destinar R$ 30 bilhões ao agronegócio — compromete áreas essenciais como educação, saúde e habitação, originalmente atendidas pelo Fundo Social.
Agora, com a aprovação do novo projeto pela Câmara, os parlamentares decidiram redirecionar recursos originalmente destinados a políticas públicas essenciais e de longo prazo — como educação e ciência — para atender a interesses imediatos do setor agropecuário, um setor que já recebe altos subsídios, em um claro movimento de retaliação ao governo.
A vingança do Congresso não pode deixar de ser vista como irresponsabilidade fiscal e social. Afinal, os recursos desviados para financiar dívidas do agronegócio são de áreas altamente sensíveis e prioritárias para a população.
O que acontece agora?
Com o veto, o Congresso tem até 1º de outubro para decidir se mantém ou derruba a decisão presidencial. Caso o veto seja mantido, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) redistribuir as cadeiras da Câmara, respeitando os limites constitucionais e mantendo o total de 513 deputados.
A derrubada do veto, no entanto, é considerada improvável. O projeto foi aprovado com placar apertado no Senado e gerou forte repercussão negativa. O próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre, teve que abrir mão da presidência da sessão para garantir o quórum mínimo — algo que não poderá repetir em uma eventual votação do veto.
Austeridade
A decisão de Lula marca um posicionamento firme em favor da responsabilidade fiscal, mesmo diante do risco de ampliar o desgaste com o Congresso. Em um momento de aperto nas contas públicas e pressão por equilíbrio orçamentário, o presidente optou por não ceder a uma medida impopular e de alto custo político.
O veto também sinaliza que o governo está disposto a enfrentar o Legislativo em temas sensíveis, mesmo que isso implique em retaliações, como a liberação bilionária para o agro.
A disputa por protagonismo entre os Poderes segue intensa, e o desfecho desse embate pode influenciar diretamente o cenário político de 2026