A relação entre Brasil e Estados Unidos entrou em sua fase mais tensa em décadas após o presidente norte-americano Donald Trump anunciar, nesta quarta-feira (9), a imposição de uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras para os EUA. A medida, que entra em vigor em 1º de agosto, foi comunicada por meio de uma carta pública endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e divulgada na rede social Truth Social.
A decisão, inédita em sua magnitude, foi justificada por Trump com base em três pilares: o que ele chamou de “tratamento injusto” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, supostas práticas de censura do Supremo Tribunal Federal (STF) contra plataformas digitais americanas, e um alegado desequilíbrio comercial entre os dois países.
Motivações políticas e retórica inflamada
Na carta, Trump classificou o julgamento de Bolsonaro no STF como uma “vergonha internacional” e uma “caça às bruxas”. Ele afirmou que o Brasil estaria atacando a liberdade de expressão ao impor restrições a empresas de tecnologia dos EUA, acusando o STF de emitir “ordens secretas e ilegais” contra redes sociais americanas.
“Se o Brasil quiser evitar essas tarifas, deve abrir seus mercados e eliminar barreiras comerciais”, escreveu Trump, acrescentando que empresas brasileiras poderiam escapar da taxação caso transferissem sua produção para território americano.
Reação imediata do governo brasileiro
A resposta do governo Lula foi rápida e firme. Em nota oficial, o presidente declarou: “O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”. Lula também afirmou que qualquer tentativa de interferência externa será respondida com base na recém-aprovada Lei da Reciprocidade Econômica.
A legislação, sancionada em abril, permite ao Brasil adotar contramedidas comerciais, tarifárias e diplomáticas contra países que tentem impor sanções unilaterais ou interfiram em decisões soberanas. Entre as medidas previstas estão a suspensão de concessões comerciais e até a revogação de direitos de propriedade intelectual.
Impacto econômico bilionário
A tarifa de 50% representa um duro golpe para a economia brasileira. Em 2024, o Brasil exportou cerca de 40,4 bilhões de dólares para os EUA, com destaque para petróleo, aço, carne bovina e aeronaves. Com a nova alíquota, esses produtos perderão competitividade no mercado americano, o que pode gerar perdas bilionárias e afetar diretamente setores industriais e de alto valor agregado.
Representantes da indústria já demonstraram preocupação. “O clima é de caos”, afirmou um porta-voz da Associação Brasileira de Exportadores de Carne, destacando que a tarifa torna inviável a continuidade das vendas para os EUA.
Críticas internacionais
A medida também gerou críticas no cenário internacional. O economista e Nobel Paul Krugman classificou a ação como “diabólica e megalomaníaca”, acusando Trump de usar tarifas como instrumento de proteção a regimes autoritários e de ataque à democracia.
Além disso, especialistas apontam que a justificativa política da tarifa fere princípios do comércio internacional. “A elevação de tarifas com base em julgamentos internos de outro país é uma violação clara das normas da OMC”, afirmou Jason Vieira, economista-chefe da Lev Asset.
Contudo, com o enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio nos últimos anos, o Brasil pode ter dificuldades para contestar a medida em instâncias multilaterais.
Escalada diplomática e devolução simbólica da carta
Em um gesto diplomático incomum, o Itamaraty devolveu oficialmente a carta de Trump à embaixada dos EUA em Brasília. A embaixadora Maria Luisa Escorel, responsável pelas relações com América do Norte e Europa, classificou o conteúdo como “ofensivo e inaceitável” .
A devolução foi acompanhada de uma reunião de emergência no Palácio do Planalto, com a presença dos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Geraldo Alckmin (Indústria) e Rui Costa (Casa Civil), para definir a resposta brasileira.
Cenário político interno e polarização
A decisão de Trump também repercutiu no cenário político brasileiro. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado de Bolsonaro, culpou o governo Lula pela crise. “Lula colocou sua ideologia acima da economia, e esse é o resultado”, escreveu nas redes sociais.
A ministra Gleisi Hoffmann (PT) rebateu: “Quem está colocando ideologia acima dos interesses do país é o governador Tarcísio e todos os cúmplices de Bolsonaro que aplaudem o tarifaço de Trump”.
Impactos na economia brasileira
Analistas apontam que a tarifa de 50% é mais do que uma medida econômica — trata-se de um movimento geopolítico com forte carga simbólica. Ao vincular a decisão ao julgamento de Bolsonaro e à atuação do STF, Trump sinaliza que está disposto a usar o comércio como ferramenta de pressão política.
A depender da resposta brasileira, o conflito pode escalar para uma guerra comercial mais ampla, com impactos duradouros sobre investimentos, câmbio e inflação. O governo Lula, por sua vez, tenta equilibrar a defesa da soberania nacional com a necessidade de preservar o comércio exterior.