Em meio à maior mobilização militar no Caribe em décadas e a tensões crescentes com a Venezuela, o governo dos Estados Unidos divulgou sua nova Estratégia de Segurança Nacional, documento que orientará a política externa e de defesa durante o segundo mandato de Donald Trump. Com 33 páginas, o texto marca uma guinada histórica: a América Latina volta ao topo das prioridades estratégicas, sob a bandeira da Doutrina Monroe, agora reinterpretada pelo chamado “Corolário Trump”.
O que muda com a nova estratégia?
O documento estabelece cinco objetivos centrais para o Hemisfério Ocidental:
1 – Estabilidade regional para conter migrações em massa
2 – Trump afirma que “a era das migrações em massa deve chegar ao fim”, vinculando o controle de fronteiras à segurança nacional.
2 – Combate ao narcotráfico e crime organizado transnacional
4 – A estratégia prevê operações militares contra cartéis, incluindo o uso de força letal — uma ruptura com décadas de abordagem policial.
5 – Bloqueio à influência de potências externas
Sem citar diretamente a China, o texto promete impedir que países de fora do hemisfério controlem ativos estratégicos, como portos, bases militares e infraestrutura crítica.
Cadeias de suprimentos
Washington quer garantir acesso contínuo a rotas essenciais, como o Canal do Panamá. Além do controle de rotas estratégicas, os Estados Unidos também buscam garantir acesso a recursos críticos — especialmente terras raras.
Esses minerais são essenciais para tecnologias avançadas, como baterias, semicondutores, sistemas de defesa e equipamentos de energia limpa. Atualmente, a China domina mais de 80% da produção e do processamento global dessas raras.
Reforço da presença militar
A nova doutrina na política externa americana se dá em meio a uma grande operação de guerra dos EUA no Caribe em décadas, deslocando tropas, navios e aeronaves para a região. A Operação Lança do Sul, que já realizou dezenas de ataques a embarcações sob a justificativa de combate ao narcotráfico. O alvo retórico e militar mais frequente tem sido a Venezuela. Porém Trump afirmou que qualquer país que exportar narcóticos para os EUA está sujeito a ataques, elevando a tensão com o governo de Nicolás Maduro.
Doutrina Monroe: passado e presente
Formulada em 1823 pelo presidente James Monroe, a doutrina original tinha como lema “América para os americanos”, visando afastar potências europeias das Américas. Ao longo do século XX, tornou-se justificativa para intervenções militares e apoio a golpes na região. Agora, Trump resgata esse ideário com um tom explícito:
“Após anos de negligência, os EUA reafirmarão e farão cumprir a Doutrina Monroe para restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental”, diz o documento.
A Doutrina Monroe repaginada Trump promete uma política de força, condicionando ajuda e parcerias à redução da influência externa adversária. Em outras palavras: países latino-americanos que se aproximarem da China ou da Rússia podem enfrentar retaliações.
Militarização e pressão diplomática
Desde agosto, os EUA intensificaram operações navais no Caribe sob o pretexto de combater o tráfico de drogas. Segundo dados divulgados pelo Pentágono, 22 embarcações foram destruídas e 87 pessoas mortas — um número que levanta questionamentos sobre legalidade e proporcionalidade.
Especialistas em direito internacional alertam para o risco de crimes de guerra. “Tratar suspeitos de tráfico como combatentes é uma interpretação juridicamente insustentável”, afirma Geoffrey S. Corn, ex-assessor do Exército americano.
Além da dimensão militar, Washington aposta em alianças seletivas. Governos, partidos e movimentos “alinhados aos princípios americanos” serão recompensados com incentivos econômicos e diplomáticos. Já países que resistirem podem enfrentar sanções, tarifas e isolamento.
Reações na América Latina e na Europa
Na região, o anúncio reacendeu memórias do intervencionismo do século XX. Analistas apontam que a Venezuela é o “tubo de ensaio” da nova doutrina, com operações militares e ameaças explícitas de mudança de regime. O Brasil também entrou no radar: Trump reimpôs tarifas sobre aço e alumínio e sinalizou restrições a vistos acadêmicos.
Na Europa, a reação foi dura. O documento descreve o continente como em “risco de extinção civilizacional” e promete apoiar partidos “patrióticos” contrários à imigração — uma posição que governos como Alemanha e Itália classificaram como “inaceitável”.
Como a estratégia de Trump redefine o poder mundial?
Américas e Indo-Pacífico ganham prioridade absoluta.
Europa é vista como decadente e perde espaço.
Oriente Médio e África ficam em segundo plano, com foco em investimentos e estabilidade mínima.
Para a América Latina, os riscos são claros: aumento da pressão militar, ingerência política e restrição de autonomia econômica. Como resume Maurício Santoro, cientista político:
“Não é uma doutrina que desperte boas memórias. Está associada à agenda imperialista americana.”
Cientistas políticos latino-americanos ouvidos pela imprensa expressaram preocupação. “Isso mostra que os EUA vão buscar os seus interesses a qualquer preço, inclusive usando a força bruta. É o retorno de um velho estilo de política internacional”, avaliou Flavia Loss, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em declaração ao jornal O Globo.
O que esperar?
A estratégia indica que os EUA pretendem usar poder econômico, diplomático e militar para recuperar influência na região. Isso inclui:
Expansão da presença naval no Caribe.
Condicionamento de ajuda à redução da influência chinesa.
Interferência indireta em processos eleitorais.
Para os países latino-americanos, o desafio será equilibrar relações com Washington sem abrir mão da soberania — em um cenário marcado por tensões comerciais, disputas tecnológicas e riscos de escalada militar.
Ao evocar a Doutrina Monroe, Washington envia um sinal inequívoco: as Américas continuam sendo sua esfera de influência privilegiada, e a competição com rivais globais será travada, também, no quintal estratégico ao sul de sua fronteira.



