O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), formalizou nesta terça-feira (21) um pedido para deixar a Primeira Turma da Corte e migrar para a Segunda Turma, movimento que pode alterar significativamente a dinâmica dos julgamentos relacionados à tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. A solicitação foi enviada ao presidente do STF, Edson Fachin, e se baseia no artigo 19 do regimento interno do tribunal, que permite a transferência de ministros entre turmas quando há vaga disponível.
A vaga surgiu com a aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso, ocorrida no último sábado (18). Fux, que já havia combinado a troca com Barroso no ano anterior, afirmou que a mudança é parte de um revezamento “bastante usual” na Corte. No entanto, o pedido ocorre em um momento de forte tensão interna, após o ministro se tornar uma voz isolada na Primeira Turma ao votar pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus da chamada “trama golpista”.
Divergência e isolamento
Durante os julgamentos dos núcleos da trama golpista, Fux se destacou por sua postura divergente. No julgamento do “núcleo crucial”, que envolveu os principais articuladores do plano de golpe, ele foi o único a votar contra a condenação de Bolsonaro e outros seis réus. Na sessão mais recente, referente ao “núcleo da desinformação”, Fux novamente se posicionou pela absolvição de todos os sete acusados, alegando falta de provas individualizadas e ausência de potencial real para a concretização do golpe.
“Não há demérito maior para o juiz do que pactuar com o próprio equívoco. O magistrado não deve buscar a coerência no erro”, afirmou Fux durante seu voto, justificando sua mudança de entendimento como um ato de consciência. Ele também criticou a criminalização de ideias e o uso de provas baseadas em mensagens privadas como fundamento para condenações.
A postura do ministro gerou desconforto entre os colegas da Primeira Turma. Segundo relatos de bastidores, os demais ministros foram pegos de surpresa com o pedido de transferência e não receberam explicações diretas de Fux. O presidente da Turma, Flávio Dino, lamentou a saída, mas reconheceu o caráter institucional da decisão.
Estratégia e realinhamento
Nos bastidores do STF, o movimento de Fux é interpretado como uma tentativa de se afastar do desgaste causado por suas posições divergentes e se alinhar a um colegiado com perfil mais garantista. A Segunda Turma é composta por ministros que, em outras ocasiões, demonstraram maior proximidade com os posicionamentos de Fux, como André Mendonça e Kassio Nunes Marques — ambos indicados por Bolsonaro.
Apesar da presença do decano Gilmar Mendes, com quem Fux teve uma discussão acalorada recentemente, a avaliação interna é de que o ministro preferiu enfrentar o “mal menor” ao permanecer isolado na Primeira Turma. A mudança também pode ter implicações políticas: ao deixar a Primeira Turma, Fux abre espaço para que o próximo indicado do presidente Lula — possivelmente o advogado-geral da União, Jorge Messias — assuma uma cadeira estratégica nos julgamentos da trama golpista.
Participação nos julgamentos futuros
Mesmo com a possível transferência, Fux manifestou interesse em continuar participando dos julgamentos já pautados na Primeira Turma, especialmente os relacionados aos núcleos da trama golpista. “Tenho várias vinculações de processos à Primeira Turma. Queria me colocar à disposição para participar de todos os julgamentos já designados”, declarou o ministro.
A decisão sobre essa participação cabe ao presidente do STF, Edson Fachin, que deverá consultar a ministra Cármen Lúcia — mais antiga na Primeira Turma — sobre eventual interesse em ocupar a vaga na Segunda Turma. Caso ela não manifeste esse desejo, Fux será transferido automaticamente.
Especialistas apontam que, embora o regimento interno do STF seja omisso quanto à participação de ministros em turmas diferentes, há precedentes que permitem retornos pontuais para votação de processos já iniciados. Isso evitaria atrasos no cronograma de julgamentos, que tem sessões marcadas até dezembro.
Reações políticas
A decisão de Fux gerou reações imediatas no meio político. Figuras da direita, como o senador Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, saíram em defesa do ministro. “O Ministro Fux honrou a toga e o Direito onde passou. Continuará fazendo o mesmo na Segunda Turma do STF”, escreveu Moro em sua conta no X (antigo Twitter). Dallagnol reforçou a fala, destacando que Fux reconheceu “injustiças nos julgamentos de 8 de janeiro”.
Por outro lado, críticos apontam que o voto de Fux alimenta narrativas bolsonaristas contra o STF. A forma como o ministro apresentou sua posição — com longas exposições e argumentos que relativizam a gravidade dos atos golpistas — foi vista como combustível para ataques à Corte e seus integrantes.
Impacto no STF
A movimentação de Fux ocorre em um momento delicado para o STF, que busca concluir os julgamentos da trama golpista antes do início do calendário eleitoral de 2026. A saída do ministro da Primeira Turma pode alterar o equilíbrio de forças nos julgamentos, especialmente se o novo indicado por Lula tiver perfil mais alinhado ao relator Alexandre de Moraes.
Além disso, a mudança reacende discussões sobre o papel das turmas no STF e a influência das indicações presidenciais na composição dos colegiados. Com três dos cinco integrantes da Primeira Turma indicados por Lula, a entrada de Jorge Messias pode consolidar uma maioria favorável à condenação dos réus da trama golpista.
O pedido de transferência de Luiz Fux representa mais do que uma simples mudança de colegiado. Ele reflete tensões internas no STF, divergências sobre a condução dos julgamentos do 8 de janeiro e estratégias políticas que podem influenciar o futuro da Corte. A decisão final de Edson Fachin sobre a permanência de Fux nos julgamentos da trama golpista será crucial para definir os próximos passos do tribunal em um dos casos mais sensíveis da história recente do Brasil.



