O ministro Luís Roberto Barroso surpreendeu o país ao anunciar, em 9 de outubro de 2025, sua aposentadoria antecipada do Supremo Tribunal Federal (STF), encerrando uma trajetória de mais de doze anos na Corte. Em um discurso emocionado, Barroso afirmou que chegou a hora de “seguir novos rumos”, destacando o desejo de viver com mais leveza e menos exposição pública. A decisão, embora já ventilada nos bastidores, pegou muitos de surpresa e desencadeou uma intensa movimentação política em torno da escolha de seu sucessor.
Motivos
Barroso, que poderia permanecer no STF até 2033, quando completaria 75 anos, optou por deixar o cargo aos 67. Em sua fala no plenário, declarou:
“É hora de seguir novos rumos. Não tenho apego ao poder e gostaria de viver a vida que me resta sem as responsabilidades do cargo.”
O ministro revelou que a decisão foi amadurecida ao longo de dois anos e que já havia comunicado sua intenção ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A perda de sua esposa, Tereza Barroso, em 2023, e as sanções impostas pelos Estados Unidos a ministros do STF, incluindo a revogação de seu visto e o impacto sobre seu filho, também pesaram na decisão, embora Barroso tenha negado relação direta com esses eventos.
“Os sacrifícios e os ônus da nossa função acabam se transferindo aos nossos familiares e às pessoas queridas, que sequer têm qualquer responsabilidade pela nossa atuação”, disse, com a voz embargada.
Uma trajetória marcada pela defesa dos direitos fundamentais
Indicado ao STF em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff, Barroso chegou à Corte com um histórico de atuação em causas constitucionais e de direitos humanos. Professor titular da UERJ, com mestrado em Yale e pós-doutorado em Harvard, ele se destacou como um dos principais constitucionalistas do país.
Durante sua passagem pelo Supremo, relatou casos de grande impacto social, como a suspensão de despejos durante a pandemia, a autorização de transporte gratuito nas eleições, a limitação do foro privilegiado e a proteção dos povos indígenas. Também esteve à frente de julgamentos sobre o porte de drogas para uso pessoal e sobre o aborto em casos de fetos anencéfalos.
Como presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Barroso liderou o tribunal durante o julgamento dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Emoção e surpresa: Ministros elogiam Barroso
A despedida de Barroso foi marcada por fortes emoções. O presidente do STF, Edson Fachin, destacou sua contribuição para a democracia brasileira:
“Sua contribuição transcende os votos e as decisões. Vossa Excelência ajudou a construir uma cultura constitucional mais sólida e comprometida com os direitos fundamentais.”
Apenas Fachin e Moraes haviam sido avisados com antecedência. Gilmar Mendes, com quem Barroso travou embates públicos memoráveis em 2018, surpreendeu ao se levantar e abraçar o colega.
“Não guardo mágoas. Um grande abraço, seja feliz”, disse Gilmar.
Luiz Fux, visivelmente emocionado, referiu-se ao colega como “meu amigo Beto” e exaltou sua integridade e humanidade. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que o país continuará a se beneficiar do jurista, mesmo fora da Corte.
Corrida pela sucessão
Com a saída de Barroso, o presidente Lula terá a oportunidade de indicar seu terceiro nome ao STF neste mandato. O favorito nos bastidores é o advogado-geral da União, Jorge Messias, homem de confiança do presidente e com forte ligação com o PT. Messias é evangélico, tem bom trânsito no Congresso e é visto como uma ponte com o eleitorado religioso.
No entanto, há pressão crescente para que Lula indique uma mulher, já que atualmente apenas a ministra Cármen Lúcia representa o gênero feminino na Corte. Barroso, inclusive, manifestou apoio à ideia:
“Eu, filosoficamente, sou um defensor de mais mulheres nos tribunais. Vejo com gosto, vejo com simpatia a escolha recair por uma mulher.”
Entre os nomes femininos cotados estão Daniela Teixeira, ministra do STJ; Edilene Lobo, do TSE; e Maria Elizabeth Rocha, presidenta do STM.
Outros nomes masculinos também circulam, como o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apoiado por Davi Alcolumbre e por ministros como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, e Bruno Dantas, ministro do TCU, que tem apoio de parte do MDB.
Cálculo político e desafios para Lula
A escolha do novo ministro do STF ocorre em um momento delicado para o governo Lula, que enfrenta dificuldades no Congresso e já se prepara para a corrida eleitoral de 2026. A indicação precisa ser aprovada pelo Senado, o que exige articulação política cuidadosa.
Lula tem demonstrado preferência por nomes de sua confiança, como fez ao indicar Cristiano Zanin e Flávio Dino. Segundo interlocutores, o presidente considera Messias “maduro” para o cargo e não estaria disposto a ceder às pressões por outros nomes.
No entanto, há quem defenda que a escolha de uma mulher poderia ser uma resposta importante à demanda por maior representatividade de gênero no Judiciário. A decisão, portanto, deve equilibrar critérios técnicos, políticos e simbólicos.
O futuro de Barroso e do STF
Barroso pretende se dedicar à vida acadêmica e intelectual. Já tem compromissos como professor visitante na Alemanha e na Sorbonne, na França.
“Gostaria de ser um intelectual público. Alguém que olha o país e pensa coisas, sem cargo, sem esses deveres”, afirmou.
Sua saída deixa uma lacuna no STF, especialmente em temas ligados aos direitos fundamentais e à defesa da democracia. A escolha de seu sucessor poderá influenciar o rumo de julgamentos importantes, como os que tratam da descriminalização do aborto e das drogas, além de questões ambientais e de governança.
A aposentadoria antecipada de Luís Roberto Barroso marca o fim de um ciclo importante no Supremo Tribunal Federal. Sua trajetória foi marcada por coragem, erudição e compromisso com a Constituição. Agora, o país aguarda a escolha de seu sucessor, em um processo que promete ser tão político quanto jurídico. A decisão de Lula poderá moldar o perfil do STF pelas próximas décadas e terá impacto direto no equilíbrio institucional do país.