Após 14 anos de espera, uma decisão judicial irrecorrível obriga o Estado do Piauí a implantar delegacia da Polícia Civil em Regeneração. Atualmente, a cidade não conta com uma delegacia da Polícia Civil em funcionamento pleno, obrigando a população a se deslocar até Amarante ou Água Branca – municípios distantes até 40 km – para registrar ocorrências. Essa realidade inviabiliza a apuração de crimes e contribui para a impunidade, já que muitas vítimas desistem de formalizar denúncias devido à dificuldade de acesso à Justiça.
Essa triste realidade pode mudar em breve. Após 14 anos de espera e intensa luta do MP-PI.
O longo caminho até a vitória
A longa batalha jurídica começou em 2011, quando o Ministério Público do Piauí (MP-PI) ingressou com Ação Civil Pública contra o Estado pela ausência de delegacia no município. Em primeira instância, uma sentença condenatória já havia determinado que o Estado cumprisse a obrigação da instalação da delegacia, nomeando delegado e agentes de Polícia Civil para a cidade. Mas o ente federativo recorreu. O caso seguiu para o Tribunal de Justiça do Piauí, e o governo perdeu mais uma vez.
Após anos de recursos, em 27 de janeiro de 2025, o Tribunal de Justiça do Piauí negou provimento à apelação do Estado, consolidando a sentença condenatória do magistrado da 43ª Vara.
Vazio investigativo que beneficia criminosos
Regeneração, uma cidade de 18 mil habitantes, vive sob um paradoxo: o que acontece na terra de Bruenque expõe de forma contundente os limites de um sistema de segurança pública sem estrutura adequada da Polícia Civil. O atual cenário, com inúmeras ocorrências criminais surgindo a todo momento e só havendo delegacia em Água Branca e Amarante, mostra-se completamente insuficiente para a demanda investigativa de uma área que ultrapassa 200 mil moradores, enquanto a criminalidade só vem aumentando.
Um único delegado responde por dezenas de cidades da região. Essa sobrecarga operacional na PC cria um ciclo perverso: investigações cruciais que necessitam de ação imediata perdem o timing essencial para coleta de provas, a população perde a confiança no sistema de Justiça e a impunidade – por sua vez, acaba estimulando novas práticas criminosas.
Mesmo com a Polícia Militar atuando dia e noite, muitos crimes ainda ficam impunes pela falta de uma estrutura de investigação na cidade. A Polícia Militar (PM) atua na prevenção (patrulhamento ostensivo) e prisões em flagrante, mas não tem competência para investigar crimes. Enquanto isso, a Polícia Civil é responsável por investigações, inquéritos policiais e ações de inteligência.
Sem uma atuação eficiente da PC, crimes como homicídios, roubos, fraudes e violência doméstica ficam sem apuração.
A Polícia Militar não tem competência para investigar crimes, limitando-se ao patrulhamento ostensivo e ao atendimento de ocorrências em flagrante. Essa situação é gravíssima e aprofunda a injustiça no município.
Como isso afeta a população
A obrigação de vítimas de crimes – muitos já traumatizados – viajarem 40 km apenas para registrar um B.O. alimenta a impunidade. A falta de uma delegacia que força vítimas a viajarem longas distâncias para registrar crimes faz com que:
– Vítimas de violência doméstica, idosos e pobres sem transporte desistam de denunciar pela dificuldade de ir até Amarante ou Água Branca;
– Famílias de vítimas de homicídio precisam lidar com a burocracia em outra cidade, além do luto, tendo mesmo ocorrido situações em que assassinatos não foram formalizados;
– Comerciantes locais assaltados, muitos deles, não registram BOs, o que pode dar a sensação de que ladrões podem agir sem medo de consequências.
Todo esse quadro pode resultara ainda em subnotificação de crimes, estatísticas distorcidas do ciclo de violência.
A vitória do Ministério Público, que demorou quase 15 anos, põe fim a esse calvário em que moradores precisavam percorrer 20, 40 km para registrar boletins de ocorrência, e muitos acabavam desistindo. Pois, como já dito, além do trauma do crime, precisar se deslocar a outras cidades desestimula as vítimas a denunciar os crimes que sofreram, o que termina por alimentar a impunidade e criminalidade: criminosos agem sabendo que não serão investigados.
A decisão judicial
Com a decisão, Regeneração terá :
– Delegado e agentes de carreira lotados no município;
– Estrutura física adequada para atendimento à população;
– Investigação local de crimes como roubos, poucos denunciados, que não ficarão mais sem apuração,
O Juiz assinou a decisão de cumprimento em 04 de abril. Como o processo já transitou em julgado (a decisão tornou-se definitiva), não cabe mais recurso, e o Estado do Piauí é obrigado a cumprir a decisão judicial imediatamente.
O que isso significa na prática?
O Estado tem 10 dias, contados a partir da data em que foi formalmente notificado (intimado) da decisão judicial, para:
– Nomear e lotar um delegado e agentes de Polícia Civil em Regeneração
Se o Estado não agir dentro do prazo, incorrerá em multa diária de R$ 10.000,00 por dia de atraso. Essa multa é cumulativa (ou seja, pode chegar a valores altíssimos se o descumprimento se prolongar).
Se o governador não cumprir, o MP pode entrar com execução de multa e até outras medidas coercitivas (como bloqueio de verbas).
Expectativa da população
Após 14 anos de negligência com a segurança pública do município, a expectativa é que o governo cumpra a ordem judicial, e Regeneração tenha, enfim, Polícia Civil atuante no município. A notícia foi muito celebrada pelos moradores locais. A sentença representa o fim do deslocamento de vítimas para cidades vizinhas. Era um desejo antigo da população e agora parece que esse desejo será concretizado.
– “Vai facilitar para muita gente. Hoje nós temos que nos deslocar até Amarante para registrar um boletim de ocorrência e Regeneração agora vai ter a polícia civil lotada aqui no nosso município”, comemorou o radialista Tarcísio Silva ao dar a notícia em primeira mão na Rádio Tribuna para o povo de Regeneração.