Na noite de 13 de novembro de 2024, Brasília foi palco de um atentado que chocou o país e reacendeu o debate sobre os riscos do extremismo político. Incomum de acontecer no Brasil e visto principalmente em países do Oriente Médio, quando homens bombas se suicidam matando centenas de pessoas, Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, chaveiro e ex-candidato a vereador pelo Partido Liberal (PL), detonou explosivos em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), tirando a própria vida em um ato que as autoridades classificam como terrorista.
A sequência do ataque
Por volta das 19h30, duas explosões abalaram a Praça dos Três Poderes. A primeira ocorreu no estacionamento entre o STF e o Anexo IV da Câmara dos Deputados, onde o carro de Wanderley Luiz foi incendiado. No porta-malas, foram encontrados fogos de artifício, tijolos e madeira — uma bomba caseira que, segundo a Polícia Militar, visava desviar a atenção das forças de segurança.
Poucos segundos depois, o autor do ataque se dirigiu à entrada do STF, lançou artefatos explosivos em direção à estátua da Justiça e, ao ser abordado por um segurança, exibiu dispositivos presos ao corpo. Em seguida, deitou-se no chão e detonou um explosivo sob a cabeça. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança do tribunal e confirmada por testemunhas.
Planejamento e radicalização
Relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) revelam que Wanderley estava em Brasília desde julho e já havia visitado o plenário do STF em agosto, durante horário de visitação pública. Ele alugou uma casa em Ceilândia, onde foram encontrados mais artefatos explosivos semelhantes aos usados no ataque.
Nas redes sociais, o homem — que usava o apelido “Tiü França” — compartilhava mensagens de cunho conspiratório, anticomunista e religioso. Em uma das postagens, escreveu: “Entrego minha vida para que as crianças cresçam com liberdade”. Em outra, desafiava a Polícia Federal a desarmar bombas em casas de políticos e jornalistas.
A ex-mulher de Wanderley afirmou à Polícia Federal que o alvo do ataque era o ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos sobre milícias digitais e atos antidemocráticos. A vestimenta usada por Wanderley — um terno verde com símbolos de cartas de baralho — foi interpretada como uma referência ao personagem Coringa, símbolo adotado por radicais antissistema.
Reações das autoridades
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava no Palácio da Alvorada no momento das explosões e se reuniu com os ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin, além do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. A segurança do Palácio do Planalto foi reforçada com apoio do Exército.
Rodrigues declarou que o episódio “não é um fato isolado” e está conectado a outras ações extremistas em investigação. “Há indícios de um planejamento de longo prazo”, afirmou. A Polícia Federal instaurou um inquérito sob sigilo, tratando o caso como atentado contra o Estado Democrático de Direito.
O ministro Alexandre de Moraes reforçou que o ataque é fruto do “extremismo e do clima de ódio que se instalou no país”. Ele destacou o papel do Ministério Público no combate a esse tipo de ameaça e relembrou o histórico de hostilidades contra o STF desde 2019.
Já o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, questionou a tese de suicídio: “Por que seria suicídio? Isso foi fruto de intolerância e ódio. Esse camarada estava na frente dos quartéis”, disse, referindo-se aos protestos golpistas que antecederam a posse de Lula.
Segurança reforçada
Após o ataque, sessões no Congresso foram suspensas e o STF foi evacuado. A Corte divulgou nota informando que todos os ministros e servidores foram retirados em segurança. A Esplanada dos Ministérios foi fechada e varreduras com robôs e cães farejadores foram realizadas para detectar outros explosivos.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, lamentou o ocorrido e destacou a necessidade de garantir a segurança de parlamentares e servidores. Arthur Lira, presidente da Câmara, repudiou “qualquer ato de violência”. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, assegurou que a PF está atuando com rigor para esclarecer os fatos.
Polarização política
O STF tem sido alvo recorrente de ataques por parte de grupos de extrema direita desde o governo Bolsonaro. Em 8 de janeiro de 2023, o tribunal foi invadido e vandalizado por manifestantes que não aceitaram o resultado das eleições. Desde então, a segurança dos ministros foi reforçada.
O episódio envolvendo Wanderley Luiz ocorre às vésperas da Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, evento que reunirá líderes como Joe Biden e Xi Jinping. A proximidade da data levanta preocupações sobre a segurança institucional no país.
Em sua conta na rede X, o ex-presidente Jair Bolsonaro lamentou o ocorrido e afirmou que “passou da hora de o Brasil voltar a cultivar um ambiente adequado para que as diferentes ideias possam se confrontar pacificamente”. Ele atribuiu o ataque a “perturbações na saúde mental” do autor, mas apelou por união nacional.
A fala de Bolsonaro contrasta com o histórico de tensões entre seu governo e o STF, especialmente com Alexandre de Moraes. A tentativa de minimizar o episódio como um ato isolado é vista por analistas como uma estratégia para dissociar o ataque de movimentos bolsonaristas mais amplos.
Enquanto o país se prepara para receber líderes mundiais na Cúpula do G20, o episódio serve como alerta para a necessidade urgente de fortalecer a democracia, combater o discurso de ódio e promover o diálogo entre diferentes forças políticas.