Em um gesto que pode levar ao fim da guerra entre Israel e o grupo palestino Hamas, o líder dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta sexta-feira (3) que o Hamas aceitou partes de seu plano de paz para a Faixa de Gaza. O grupo extremista declarou estar disposto a libertar todos os reféns israelenses — vivos e mortos — e abrir mão do controle político sobre Gaza, desde que certas condições sejam atendidas.
A proposta, composta por 20 pontos, foi apresentada por Trump no início da semana, com o objetivo de encerrar a guerra que se arrasta desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023. O plano prevê um cessar-fogo imediato, a libertação dos reféns, a criação de um governo tecnocrático em Gaza e a reconstrução do território com supervisão internacional.
O que o Hamas aceitou — e o que ainda está em negociação
O comunicado do Hamas, divulgado por meio de seu canal no Telegram e repercutido por veículos como Al Jazeera e Reuters, afirma que o grupo “aprecia os esforços do presidente Trump” e está pronto para iniciar negociações mediadas por países como Catar, Egito e Jordânia. O grupo também se comprometeu a entregar todos os reféns israelenses, incluindo os corpos dos mortos, conforme a “fórmula de troca” prevista no plano americano.

Além disso, o Hamas declarou que aceita transferir a administração da Faixa de Gaza para um “corpo palestino de tecnocratas independentes”, com apoio árabe e islâmico. Essa concessão é vista como uma das mais significativas desde o início do conflito, já que o grupo controla Gaza desde 2007.
No entanto, o Hamas não se comprometeu com o desarmamento — uma das exigências centrais do plano de Trump e de Israel. Um dos líderes do grupo, Moussa Abu Marzouk, afirmou à Al Jazeera que “entregar prisioneiros e corpos em 72 horas é teórico e irrealista nas circunstâncias atuais”. Ele também indicou que o desarmamento só seria possível após o fim da ocupação israelense.
A resposta de Trump e a pressão sobre Israel
Donald Trump reagiu com entusiasmo à resposta do Hamas. Em sua rede social, Truth Social, escreveu: “Com base na declaração recém-emitida pelo Hamas, acredito que eles estão prontos para uma PAZ duradoura. Israel deve interromper imediatamente o bombardeio de Gaza, para que possamos resgatar os reféns com segurança e rapidez!”
Em pronunciamento oficial, Trump agradeceu aos países mediadores e afirmou que “todos estavam unidos em querer o fim desta guerra e ver a paz no Oriente Médio”. O presidente americano também prometeu que “todos serão tratados de forma justa”.
A pressão agora recai sobre o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu. Embora seu gabinete tenha afirmado estar “preparado para implementar imediatamente a primeira fase do plano”, a aceitação total do acordo enfrenta resistência interna. Partidos de extrema-direita que compõem sua coalizão consideram o plano uma “rendição” e ameaçam romper com o governo caso Netanyahu avance com a proposta.
O líder da oposição, Yair Lapid, ofereceu apoio parlamentar para garantir a aprovação do acordo, mesmo que isso signifique contornar os aliados mais radicais de Netanyahu.
O papel dos mediadores e da comunidade internacional
A resposta do Hamas foi precedida por intensa pressão diplomática. Catar, Egito, Jordânia, Arábia Saudita e Turquia atuaram como mediadores, buscando convencer o grupo a aceitar o plano. O secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou estar “encorajado” com a resposta do Hamas e pediu um “cessar-fogo imediato e permanente”.
O governo brasileiro também se manifestou. Em nota oficial, o Itamaraty afirmou que acompanha com atenção as negociações e defende a criação de dois Estados como única solução duradoura para o conflito. “O Brasil guarda expectativa de que, se aceito e implementado pelas partes, o plano resulte na cessação imediata e permanente dos ataques israelenses à Faixa de Gaza, na libertação dos reféns remanescentes, na entrada desimpedida de ajuda humanitária e no início urgente da reconstrução do território”, diz o comunicado.
O plano de Trump
O plano de paz proposto por Trump é ambicioso. Ele prevê a criação de um “Conselho da Paz”, liderado pelo próprio presidente americano e pelo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, para supervisionar a reconstrução de Gaza. A proposta inclui a desmilitarização completa do território, a destruição de túneis e arsenais, e a criação de uma zona econômica especial para atrair investimentos.
Além disso, o plano sugere a anistia para membros do Hamas que entregarem suas armas e se comprometerem com a paz. Aqueles que desejarem deixar Gaza receberiam passagem segura para outros países.
Contudo, o plano não estabelece um caminho claro para a criação de um Estado palestino, deixando essa possibilidade em aberto. Netanyahu já se manifestou contra essa ideia, o que pode dificultar a aceitação integral do acordo por Israel.
Esperança e ceticismo
Em Gaza, a população vive a expectativa de um cessar-fogo. Samir Abdel-Hady, morador de Khan Younis, declarou: “O que queremos é a implementação prática. Queremos uma trégua no terreno”. Já em Israel, familiares dos reféns mantêm cautela. Dorin Rai, sobrevivente do ataque de 7 de outubro, afirmou: “Espero que seja verdade e que os reféns voltem para casa. Mas tenho medo de colocar esperança nisso”.

Especialistas alertam que, embora o plano represente uma oportunidade, há muitos obstáculos. Vitelio Brustolin, professor da UFF e pesquisador de Harvard, explica: “O Hamas diz que quer negociar, o controle final, a retirada de tropas, o reconhecimento político da Palestina. Muda condições táticas e humanitárias a curto prazo, mas não garante uma solução política duradoura”.
Netanyahu entre a paz e a sobrevivência política
Para o professor Michel Gherman, da Universidade Hebraica de Jerusalém, a aceitação parcial do Hamas coloca Netanyahu em uma encruzilhada. “Se ele aceita o acordo, perde o poder. E se perde o poder, as condições para ele ser preso são enormes”, afirma. Gherman se refere às investigações sobre o ataque de 7 de outubro e às acusações de corrupção que pairam sobre o premiê.
A decisão de Netanyahu pode definir não apenas o futuro da guerra, mas também o seu próprio destino político. “A pergunta é se ele vai manter a guerra com condições maduras para terminá-la, apenas para se manter no poder”, conclui Gherman.
O que esperar nos próximos dias?
Com o prazo final dado por Trump se aproximando — até domingo, 5 de outubro —, o mundo observa atentamente os próximos passos de Israel. O Exército israelense já anunciou que está “avançando com os preparativos” para a implementação da primeira fase do plano, mas ainda não retirou suas tropas de Gaza.
Enquanto isso, a Jihad Islâmica Palestina, segundo maior grupo militante em Gaza, também declarou apoio à resposta do Hamas, o que pode fortalecer a posição palestina nas negociações.
A paz parece mais próxima do que nunca, mas ainda depende de decisões políticas delicadas e da superação de desconfianças históricas. Como disse Trump: “Estamos muito próximos dessa paz. Obrigado, e todos serão tratados de forma justa”.