Bruenque.com.brMUNDODois anos de guerra em Gaza: negociações tensas reacendem esperança de cessar-fogo

Dois anos de guerra em Gaza: negociações tensas reacendem esperança de cessar-fogo

Dois anos após o ataque surpresa do Hamas em 7 de outubro de 2023, que matou 1.200 israelenses e sequestrou 250 pessoas, a guerra entre Israel e o grupo palestino continua a devastar a Faixa de Gaza e a abalar o Oriente Médio. Com mais de 67 mil mortos em Gaza e uma sociedade palestina desmembrada, o conflito entra em seu terceiro ano com negociações delicadas em curso no Egito, mediadas pelos Estados Unidos.

O presidente americano Donald Trump, que reassumiu o cargo em janeiro, tenta costurar um acordo de paz que possa encerrar os combates e garantir sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz. A primeira fase do plano prevê a libertação dos reféns israelenses em troca de prisioneiros palestinos e uma retirada parcial das tropas israelenses de Gaza.

Um plano ambicioso em meio à desconfiança

O plano de Trump, composto por 20 medidas, propõe não apenas o fim imediato das hostilidades, mas também a reconstrução de Gaza sob uma administração tecnocrática, com posterior transição para a Autoridade Nacional Palestina (ANP). O Hamas, embora tenha sinalizado apoio parcial à proposta, rejeita o desarmamento e exige garantias concretas de retirada total das forças israelenses.

“Eles não vão devolver os reféns sem garantias de Trump”, afirmou Michael Milshtein, especialista em estudos palestinos da Universidade de Tel Aviv. Segundo ele, o Hamas vê os reféns como sua principal moeda de troca e não confia em promessas vagas.

A delegação israelense, por sua vez, resiste à libertação de líderes palestinos considerados responsáveis por atentados mortais, como Marwan Barghouti e Ahmad Sa’adat. O governo de Benjamin Netanyahu enfrenta forte pressão interna para trazer os reféns de volta, mas teme que um acordo enfraqueça sua coalizão, composta por ministros ultranacionalistas.

Gaza em ruínas: fome, deslocamento e trauma

A Faixa de Gaza vive uma crise humanitária sem precedentes. A fome se espalhou, hospitais foram destruídos e mais de 700 mil crianças estão sem acesso à educação formal. A ONU estima que 80% dos edifícios foram danificados ou destruídos, e mais de 50 milhões de toneladas de escombros cobrem o território.

“Pensar sobre a vida após a guerra só surge quando ela termina”, disse Hamza Salem, um ex-frentista que perdeu as duas pernas em um bombardeio. Sua filha de cinco anos também perdeu um braço. Histórias como a de Salem se repetem em milhares de famílias palestinas, que vivem em tendas, sem acesso a água potável, comida ou medicamentos.

A guerra também deixou cerca de 39 mil crianças órfãs de pelo menos um dos pais, segundo dados da ANP. Em acampamentos improvisados, organizações como a Mayasem tentam oferecer educação básica e apoio psicológico, mas enfrentam escassez de recursos.

Israel: entre o luto e o cansaço da guerra

Em Israel, o sentimento é de exaustão. A sociedade cobra respostas sobre os reféns ainda em poder do Hamas — dos 48 sequestrados, apenas 20 são considerados vivos. Manifestações pedem o fim da guerra e elogiam Trump como possível mediador. Muitos israelenses acreditam que Netanyahu não fez o suficiente para garantir o retorno dos reféns.

“Durante os dois anos de guerra, Netanyahu disse que as manifestações estavam prejudicando o país, mas as declarações de Trump mostram que os pedidos de ajuda contribuíram pela causa dos reféns”, afirmou Yuval Benziman, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém.

Militares israelenses também se manifestaram. Um grupo chamado “Soldados pelos Reféns” reúne centenas de ex-combatentes que se recusam a retornar ao serviço ativo, acusando o governo de usar o Exército como instrumento de vingança. “A maior ameaça ao nosso país não é o Hamas, é o nosso governo”, disse Max Kresch, ex-médico de combate.

Pressões internacionais e o papel do Catar

A pressão internacional pela paz é crescente. Países árabes como Catar, Egito, Arábia Saudita e Jordânia apoiam o plano de Trump, mas exigem garantias de que Gaza não será novamente ocupada. O ataque israelense em Doha, que matou oficiais do Hamas e um agente de segurança catari, abalou a relação entre Tel Aviv e os países do Golfo.

O Catar, que abriga a maior base militar americana na região, teria pressionado Trump a aceitar a resposta parcial do Hamas ao plano de paz. “Foi resultado da pressão do Catar sobre Donald Trump”, disse Milshtein. O governo americano prometeu tratar qualquer ataque contra o Catar como uma ameaça à sua própria segurança.

O futuro de Gaza: reconstrução e governança

A reconstrução de Gaza é um dos maiores desafios. O Banco Mundial estima os danos em quase 30 bilhões de dólares, valor superior ao PIB combinado de Gaza e Cisjordânia. O plano de Trump prevê zonas econômicas especiais e investimentos internacionais, com a promessa de transformar Gaza em uma “Riviera” do Oriente Médio.

Mas a questão da governança permanece incerta. A ANP, liderada por Mahmoud Abbas, é vista como fraca e incapaz de administrar Gaza. “Eles mal controlam Jenin, quanto mais Gaza”, disse Milshtein. A proposta de Trump inclui uma comissão tecnocrática temporária, com supervisão internacional, até que a ANP esteja pronta para assumir.

Dois Estados: uma possibilidade distante

A criação de um Estado palestino, embora mencionada no plano de Trump como uma possibilidade futura, parece improvável no atual cenário. A colonização da Cisjordânia continua, e o governo Netanyahu se opõe abertamente à ideia.

“É muito ingênuo pensar em dois Estados nesse momento”, afirmou Milshtein. “Os palestinos precisam de novas lideranças, com posições mais flexíveis.”

Esperança cautelosa

Apesar das dificuldades, há uma janela de oportunidade. A primeira fase do plano de Trump — a troca de reféns e prisioneiros — pode ser um passo inicial para encerrar o conflito. Mas o caminho para uma paz duradoura exige concessões difíceis, reconstrução profunda e uma nova visão política para a região.

Como disse o ex-empresário Hassan Shehada, que perdeu sua fábrica de roupas em Gaza: “Se não houver uma paz real construída sobre bases sólidas entre nós, nada funcionará.”

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Um pouco sobre nós

José Pereira

O editor e fundador do portal bruenque.com.br. Há duas décadas joga no time do jornalismo da Rádio Tribuna de Regeneração: produziu e editou milhares de matérias, reportagens e entrevistas ao longo de 23 anos atuando na área.

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